sexta-feira, 17 de agosto de 2007

De Gretsch a Sheratton

Estava um dia desses tocando e conversando sobre música com meu pai – monstro sagrado do rock'n'roll cruzaltense, com já disse anteriormente em algum espaço. Acontece que o homem em questão, João Carlos Heberle, um senhor de 53 anos, nunca passou o dedo em uma partitura e é o responsável por alguns dos solos mais do car**** que eu já ouvi ao vivo; e eu vi Clapton. Além disso, seu ritmo é preciso como o de um relógio dinamarquês, o que eu não herdei. Essa característica eu puxei dos antepassados da família da mãe, provavelmente um bando de alemães mal-humorados e workaholics, cujo maior contato musical foram alguns bailes kerb, com aquele ritmo tirolês que pode ser executado por uma criança de dois anos.

A família do pai não tocava nada, mas perpetuava algum talento latente. O pai deve ter sido de fato o primeiro músico dentre os Heberles. Sua carreira amadora começou ali por 1966. À época, meu saudoso vô Oscar, funcionário da Varig, fora promovido e se mudara para Nova York, a capital do mundo, where all was going on. Junto, a esposa, os três filhos e a sogra, porque as coisas não eram tão simples.

Seu filho mais velho, um rapaz de 13 anos, começou a fomentar um gosto por guitarras. Esse gosto foi incentivado pelo vizinho do novo lar nova-iorquino, o Mister Paccetta.

Mr. Paccetta era um homem corpulento, simpático. E emotivo, claro, como todo bom italiano. Seu filho Toni era daqueles que atirava beijo para as mulheres na rua e as pedia em casamento ("Marry me, ragazza, I love you!!"). Ambos tocavam guitarra. Ambos convenceram o vô a presentear o jovem Johnny Heberle com uma reluzente Gretsch Tennessean. Ambos passaram a ter o amor incondicional de Johnny desde então.

Armado, o pequeno Heberle pôde ir à luta. E não havia época melhor para isso. A década de 1960 foi a catapulta de Rolling Stones, The Who, Jimi Hendrix e muitos outros. Mas o que atraiu de imediato a atenção de Johnny foi aquele rock em Mi maior, com baixo e bateria muito bem marcados e três vozes cantando "She was a daaay tripper...". Era o que todo guri precisava para passar o dia inteiro tocando guitarra; ainda mais com uma Gretsch.

The boys from Liverpool eram a sensação do momento. Nunca se tinha ouvido nada parecido. O rock que Elvis e Carl Perkins faziam se resumia a um blues acelerado – os Beatles utilizaram-se bastante do Mi-Lá-Si7 de seus precursores, mas evoluíram mais e mais. John deu peso aos vocais; Paul, guitarrista de origem, mudou a maneira de se tocar baixo; George reinventou solos e acordes; e Ringo organizava tudo isso com precisão cirúrgica.

Some-se a isso as centenas de composições geniais e temos o resultado que se vê hoje, seja pela quantidade de álbuns vendidos ou pela atemporalidade de sua música. Música capaz de reunir, 40 anos depois, um pai e um filho em uma sala, violões em punho, tentando imitar os vocais de "Eight Days a Week".

O pai, após seu começo regado a Beatles e, posteriormente, a Led Zeppelin, Deep Purple e Pink Floyd, se aventurou por outros gêneros. E outros instrumentos – a Gretsch foi vendida antes de eu nascer, dando lugar a uma Stratocaster envenenada e depois a uma Epiphone Sheratton. O cara também toca, muito bem, piano e arranha alguma coisa de sopro.

Por que essa puxação de saco incessante?

O personagem do texto acaba de me presentear com um amplificador Marshall, novinho.

Frase da semana:

Malandro é o cavalo marinho, que se faz de peixe pra não puxar carroça.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Ônibus aéreos, acidentes e seus desdobramentos

13 de agosto de 2007. Quase um mês após o acidente com o Airbus da TAM em Congonhas.


E a cobertura começa a minguar.


Mesmo com a inoperância do governo, que faz pouco ou nada a respeito, a mídia como um todo parece estar se silenciando. O interesse no acidente aparentementeu extinguiu-se no momento em que foram revelados, em todos os meios de comunicação do país, os últimos instantes dos infelizes tripulantes do vôo 3054, registrados pela caixa-preta do A-320. Foi um espetáculo, um verdadeiro espetáculo. Tudo foi divulgado. As televisões trataram de reproduzir as falas do comandante e co-piloto com fidelidade dramática; os jornais, redigiram o diálogo inteiro, ipsis literis. E é assim, explorando esse sadismo doentio intrínseco à natureza humana, pisoteando em cadáveres – e, conseqüentemente, em seus familiares – que a mídia justifica sua fome por informação. Não interessa que o menino de oito anos, atônito, ouça o co-piloto agonizando, clamando a Deus por salvação. Tudo deve ser divulgado.

Mas o que pode fazer a mídia, um simples conglomerado de formadores de opinião?

Tudo. Como os três poderes não assumem exatamente a nobre função fiscalizadora estipulada por Montesquieu, o jornalismo vira uma espécie de estepe do legislativo. Especialmente se os deputados estão ocupados aumentando os próprios salários ou trocando de posição por dinheiro (o que lhes rendeu uma notável comparação com prostitutas elaborada pelo pessoal do Casseta e Planeta; na minha opinião uma ofensa às representantes do velho ofício). Tal qual um rígida professora de primário de 1930, é nosso dever verificar se o tema de casa está sendo feito.

Não é o que acontece. A cobertura pós-caixa-preta praticamente inexiste, considerando-se que não é rentável, e nesse ínterim, fatos importantes são ignorados. Apresento, humildemente, alguns:

O aeroporto mais novo do Brasil é o de Palmas, Tocantins. Data de construção: 1988. Mais velho do que muitos de meus amigos, estudantes universitários. Urge uma grande reforma, ou um novo aeroporto, ou uma linha de trens eficiente que ligue Guarulhos à capital São Paulo. Mas a decisão, qualquer que seja, tem de ser tomada logo. E quando algo for feito em São Paulo, que se faça algo no Rio, em Salvador, em Manaus... Mas logo. Ao contrário do que disse pouco antes da tragédia o brigadeiro Juniti Saito, comandante da Aeronáutica, talvez não seja uma boa idéia dobrar o turno de uma classe que trabalha sob tamanha carga de estresse como a dos controladores de vôo - não esqueçamos deles, por Deus. Também me parece inadequado o esforço da Infraero em transformar o Aeroporto Salgado Filho em um magnífico shopping center (cinema e tudo) quando há outras questões como as já anteriormente citadas em pauta; questões, às vezes, tão pouco discutidas. Algo precisa ser mostrado.

Mas não a agonia da aeromoça, pelo amor de Deus.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Outro...

Estou há muito tempo sem escrever nada neste espaço. Isso ocorre por dois motivos: uma agoniante falta de tempo ou uma pura, e não menos agoniante, falta de assunto. Portanto, como temas mediáticos poderiam me render uma sonora demissão ou seriam extremamente maçantes, terei de apelar ao futebol. Os gremistas que me desculpem.

E mais um se foi...

O nosso futebol foi dilacerado. Alexandre Pato, uma das maiores promessas brasileiras de todos os tempos, se foi. Pelo equivalente ao PIB de um país da América Central, é verdade, mas foi. Exagero? Novembro de 2006. Pato estréia fora de casa contra o Palmeiras. Em seu terceiro toque na bola, a um minuto e meio de jogo, gol. O que se seguiu no estádio que viu Ademir da Guia foi mais três gols, todos com a participação primordiosa do guri magrinho e rápido, muito rápido. Segundo jogo, outro gol, e a classificação à final do Mundial. Terceiro jogo, campeão mundial. Antes de contestar, pense no outro campeão mundial com 17 anos. É, esse mesmo.

A diferença é que os ídolos do passado ficavam anos no clube; Pato ficou meses. O débil futebol brasileiro, reflexo magnífico do país, não tem condições de negar uma cifra com mais de cinco zeros, mesmo com um talento de tal envergadura. Não quando está endividado até os olhos. E estamos falando de um gênio. Mais que isso, de um jogador completo. Sua capacidade de posicionamento, cabeceio, chute e velocidade é muito acima da média. Ah, ele não foi embora sorrateiramente, como aconteceu em casos recentes; deixou um rio de dinheiro ao clube. Mas isso não aplaca a dor no coração dos colorados, que rezavam para que outro Alexandre com sobrenome de ave fosse embora do Beira-Rio.

A qualidade do futebol de Pato é inversamente proporcional à sua oratória. Tudo o que diz ao final dos jogos é "fiz a minha parte, ajudei o professor e os companheiros", mas e daí? Dezessete anos é a idade. Dez milhões – de dólares – é o contracheque.